Andamento do Processo n. 31.965 - Reclamação - 01/10/2018 do STF
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Secretaria Judiciária
Decisões e Despachos dos Relatores
Processos Originários
RECLAMAÇÃO 31.965 (803)
ORIGEM : 31965 - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PROCED. : PARANÁ
RELATOR :MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
RECLTE.(S) : FLORESTAN FERNANDES JUNIOR
ADV.(A/S) : RAIMUNDO CEZAR BRITTO ARAGAO (32147/DF, 140251/MG, 1190/SE)
ADV.(A/S) : PAULO FRANCISCO SOARES FREIRE (50755/DF)
RECLDO.(A/S) : JUÍZA FEDERAL DA 12ª VARA FEDERAL DE CURITIBA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) : NÃO INDICADO
Trata-se de reclamação ajuizada em favor de Florestan Fernandes Junior contra ato da Juíza Federal da 12ª Vara Federal de Curitiba que teria afrontado a decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130/DF, de relatoria do Ministro Ayres Britto.
O reclamante informa que
“[r]equereu à autoridade ora reclamada acesso ao Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso na custódia da Superintendência Regional da Polícia Federal em Curitiba-PR, com a finalidade de entrevistá-lo sobre o contexto e as razões de sua prisão, bem como sobre a situação política, social e econômica do país, especialmente no contexto atual da disputa democrática eleitoral à Presidência da República, ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados” (pág. 3 do documento eletrônico 1).
No entanto, sustenta que
“[a] i. Magistrada estabeleceu clara censura ao jornalista ora Reclamante, obstando o livre exercício de sua atividade profissional, que envolve a possibilidade de entrevistar as pessoas cuja palavra seja de interesse público. O jornalista Reclamante havia pedido para agendar entrevista com o Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a magistrada negou o acesso. A mesma negativa foi dada em resposta a requerimentos formulados por outros jornalistas e pelo próprio Sr. Luiz Inácio Lula da Silva” (pág. 10 do documento eletrônico 1).
Aduz, ainda, que,
“[a]o decidir de tal maneira, o i. Juízo da 12ª Vara Federal de Curitiba/ PR afrontou claramente a autoridade da decisão do c. Pleno do e. STF no julgamento da ADPF nº 130, impondo censura à atividade de crítica jornalística do Reclamante e, assim, mitigando sobremaneira a liberdade de expressão garantida pela e. Corte” (pág. 18 do documento eletrônico 1).
Requer, por fim, a procedência da reclamação
“[p]ara cassar a decisão reclamada, nos termos do art. 992 do CPC, restabelecendo-se a autoridade do e. STF exarada da decisão do e. STF no acórdão da ADPF nº 130, determinando à autoridade judiciária que franqueie o Reclamante o acesso ao Ex-presidente Lula para que possa entrevistá-lo” (pág. 47 do documento eletrônico 1)
É o relatório. Decido.
Inicialmente, destaco que a reclamação perante este Supremo Tribunal Federal será sempre cabível para: (i) preservar a competência do Tribunal; (ii) garantir a autoridade de suas decisões e (iii) garantir a observância de enunciado de Súmula Vinculante e de decisão desta Corte em controle concentrado de constitucionalidade, nos termos do art. 988 do Código de Processo Civil de 2015.
No presente caso, o reclamante requer que lhe seja garantida a observância de decisão desta Corte em controle concentrado de constitucionalidade, qual seja, a ADPF 130/DF, de relatoria do Ministro Ayres Britto.
Bem examinados os autos, entendo que a reclamação merece prosperar.
Isso porque, ao julgar a citada arguição, o Plenário do Supremo Tribunal Federal garantiu “a ‘plena’ liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.
Consignou, ainda, que
“[...] A imprensa como plexo ou conjunto de ‘atividades’ ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública . Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade” (ADPF 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto).
Ademais, esta Corte firmou o entendimento de que
“[...] O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização” (ADPF 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto).
Registro, por oportuno, a relação de mútua causalidade entre liberdade de imprensa e democracia, proclamada no voto do Ministro Relator, verbis:
“Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários” (ADPF 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto).
“Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas”, disse o relator ao concluir pela impossibilidade de qualquer tipo de censura estatal à imprensa, citando na sequência o decano da Suprema Corte: “Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, ‘a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público’”.
Dessa forma, não há como se chegar a outra conclusão, senão a de que a decisão reclamada, ao censurar a imprensa e negar ao preso o direito de contato com o mundo exterior, sob o fundamento de que “não há previsão constitucional ou legal que embase direito do preso à concessão de entrevistas ou similares” (pág. 8 do documento eletrônico 10), viola frontalmente o que foi decidido na ADPF 130/DF.
Transcrevo, ainda, outros trechos da decisão reclamada, violadores da jurisprudência deste Supremo Tribunal, verbis:
“[...]
Nos termos previstos no artigo 41, XV, da Lei de Execução Penal, o contato do preso com o mundo exterior se dá ‘por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes’.
A regra legal não contempla ampliação do direito, mas tão somente possibilidade de restrição, consoante expressamente disposto no parágrafo único do artigo 41.
Não há nessa disciplina legal inconstitucionalidade sob a ótica do direito à liberdade de expressão, invocado pela defesa. A limitação se justifica.
O preso se submete a regime jurídico próprio, não sendo possível, por motivos inerentes ao encarceramento, assegurar-lhe direitos na amplitude daqueles exercidos pelo cidadão em pleno gozo de sua liberdade.
Conforme já exposto em decisão anterior proferida por este Juízo (evento 75), a prisão do apenado implica diretamente a privação do seu direito à liberdade de locomoção. Contudo, limitam-se, também, os direitos cujo exercício tenha por pressuposto essa liberdade de ir e vir (limitações implícitas, inerentes à pena de prisão). E, ademais, há restrições justificadas
pela própria execução da pena, em especial ante as peculiaridades ínsitas ao ambiente carcerário (limitações implícitas, inerentes à execução da pena). É nesse quadro que se inserem os limites à liberdade de expressão.
O contato do preso com o mundo exterior não é total e absoluto, como não é seu direito à liberdade de manifestação, seja quanto aos meios de expressão, seja quanto ao seu conteúdo. Cite-se, exemplificativamente, a vedação legal expressa à utilização de meios eletrônicos de comunicação (art. 50, VII, LEP).
[...]
A situação fica bastante clara ao se notar, por exemplo, a evidente inviabilidade, por questões de segurança pública e de administração penitenciária, de universalização aos demais detentos da possibilidade de comunicação com o mundo exterior mediante acesso de veículos de comunicação para reiteradas sabatinas ou entrevistas. Alie-se a isso a ausência de qualquer peculiaridade na custódia do executado que autorize tratamento diverso quanto a essa questão.
[...]” (pág. 8 do documento eletrônico 10).
Note-se que, como assinalado pela Magistrada de primeiro grau, a Lei de Execuções determina que o contato do preso com o mundo exterior se dá “por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes”.
Na decisão reclamada, todavia, não há qualquer menção à forma como a concessão de entrevista jornalística comprometeria a moral e os bons costumes.
O STF, em inúmeros precedentes, mesmo antes do julgamento da ADPF 130/DF, já garantiu o direito de pessoas custodiadas pelo Estado, nacionais e estrangeiros, de concederem entrevistas a veículos de imprensa, sendo considerado tal ato como uma das formas do exercício da autodefesa. Confira-se: Ext 906-ED-ED/República da Coreia, Rel. Min. Marco Aurélio; Ext 1.008/Colômbia, Rel. Min. Gilmar Mendes; Pet 2.681/Argentina, Rel. Min. Sydney Sanches; Ext 785 terceira/México, Rel. Min. Néri da Silveira.
Ressalto, ainda, que não raro, diversos meios de comunicação entrevistam presos por todo o país, sem que isso acarrete problemas maiores o sistema carcerário, das quais cito algumas: ex-Senador, Luiz Estevão, concedeu entrevista ao “SBT Repórter” em 28/5/2017; Suzane Von Richthofen concedeu entrevista ao programa “Fantástico” da TV Globo em abril de 2006; Luiz Fernando da Costa (Fernandinho Beira-Mar) concedeu entrevista ao “Conexão Repórter” do SBT em 28/8/2016; Márcio dos Santos Nepomuceno (Marcinho VP) concedeu entrevista ao “Domingo Espetacular” da TV Record em 8/4/2018; Gloria Trevi concedeu entrevista ao “Fantástico” da TV Globo em 4/11/2001, entre outros inúmeros e notórios precedentes.
Observo, também, que a Magistrada responsável pela execução penal alegou questões de segurança pública e outras atinentes à administração penitenciária para indeferir o pedido de entrevista com o exPresidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Neste ponto, impende relembrar que o custodiado encontra-se na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e não em estabelecimento prisional, em que pode existir eventual risco de rebelião. Também não se encontra sob o regime de incomunicabilidade e nem em presídio de segurança máxima. Ademais, em 3/5/2018, a Revista Veja publicou que, na tarde de 27/4/2018, “teve acesso com exclusividade ao local onde o petista está detido e reconstituiu o cotidiano de seu primeiro mês na prisão” (disponível em: - https://veja.abril.com.br/política/exclusivoavida-de-lula-no carcere/ - acessado em 24/9/2018).
Portanto, permitir o acesso de determinada publicação e impedir o de outros veículos de imprensa configura nítida quebra no tratamento isonômico entre eles, de modo a merecer a devida correção de rumos por esta Suprema Corte.
A suposta falta de segurança no local da custódia como fundamento para negar o direito de o preso conceder entrevista à imprensa, caso seja procedente, demanda uma análise mais acurada sobre a necessidade da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para execução provisória da pena, haja vista tratar-se de pessoa com mais de 70 anos de idade (idosa segundo a legislação específica) e que já enfrentou tratamento para combater câncer na laringe.
Não é crível, portanto, que a realização de entrevista jornalística com o custodiado, ex-Presidente da República, ofereça maior risco à segurança do sistema penitenciário do que aquelas já citadas, concedidas por condenados por crimes de tráfico, homicídio ou criminosos internacionais, sendo este um argumento inidôneo para fundamentar o indeferimento do pedido de entrevista.
Isso posto, julgo procedente a reclamação para cassar a decisão reclamada, nos termos do art. 992 do CPC, restabelecendo-se a autoridade do STF exarada da decisão no acórdão da ADPF 130/DF, determinando que seja franqueado ao reclamante e à equipe técnica, acompanhados dos equipamentos necessários à captação de áudio, vídeo e fotojornalismo, o acesso ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a fim de que possa entrevistá-lo, caso seja de seu interesse.
Comunique-se ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, à Juíza Federal da 12ª Vara Federal de Curitiba/PR.
Expeça-se ofício ao Superintendente da Polícia Federal no Paraná informando-o desta decisão e com a determinação de que marque, em comum acordo com o reclamante, dia e hora para a realização da entrevista, condicionada à anuência do custodiado.
Publique-se.
Brasília, 28 de setembro de 2018.
Ministro Ricardo Lewandowski Relator
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