BRASÍLIA - As relações entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro da Saúde, José Serra, estão arranhadas. Por isso, não há mais nenhuma garantia de que Serra permanecerá no cargo para o segundo mandato de Fernando Henrique, a partir de janeiro, como se esperava. As declarações de Serra irritaram tanto o presidente que ele chegou a pensar em demiti-lo. Só desistiu da ideia, após a conversa que os dois mantiveram ontem, por telefone, na hora do almoço. Serra garantiu a Fernando Henrique que daria novas declarações à imprensa, mudando seu discurso e afirmando, claramente, o apoio à política de ajuste fiscal definida pelo presidente. Antes de receber as explicações de Serra, Fernando Henrique, abatido, desabafou sua irritação com o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, que o acompanhou na cerimônia de comemoração do Dia da Cultura, no Planalto. Segundo ACM, na rápida conversa de dez minutos, o presidente lembrou que ele e Serra, amigos de longa data, haviam jantado na segunda-feira, em São Paulo, "no melhor dos mundos". Sempre irônico, o senador aproveitou para provocar Serra. Ao ser indagado se demitiria o ministro caso estivesse no lugar do presidente, ACM insinuou: "Aí é com Fernando Henrique, mas, se fosse na Bahia, eu saberia o que fazer." Ainda no Senado, chegou a pregar, indiretamente, a saída de Serra. "Se por acaso o Serra ou qualquer outro quiser prejudicar, remove-se quem prejudicar", defendeu. No fim da tarde, o porta-voz da Presidência, Sérgio Amaral, disse que o presidente "se dá por satisfeito" com os esclarecimentos do ministro. Na conversa com o presidente, por telefone, de acordo com Amaral, Serra esclareceu que a nota divulgada quarta-feira era "técnica e havia sido preparada para uma reunião do Conselho de Saúde". Serra teria dito ainda ao presidente que a nota "vazou" e só por isso foi distribuída. Desentendimento - Na noite de quarta-feira, ao tomar conhecimento da nota em que Serra apontava a redução nos gastos com a saúde e criticava o ajuste, Fernando Henrique, que estava no Planalto e aguardava o início da votação da reforma da Previdência na Câmara, mandou convocá-lo para saber do que se tratava. Foi informado, então, que o ministro, assim que divulgou a nota, embarcou para São Paulo, de onde só retornaria hoje, pela manhã. Naquele momento o presidente já estava disposto a afastá-lo, caso não houvesse um recuo do ministro. Sem uma retificação das declarações, Fernando Henrique estava sem alternativa, já que não poderia permitir que seu comando de governo fosse desgastado, ainda mais no início de toda a negociação para a aprovação do ajuste. Sua avaliação é que o momento exige demonstrações de união, e não de desavenças. O presidente entendeu que Serra abusou de sua confiança e confundiu a amizade de ambos - que lhes permite manter uma conversa franca -, transgredindo o respeito e a hierarquia que têm de existir na vida institucional. Por isso, a relação entre os dois "azedou", conforme relato de um interlocutor do presidente. Fernando Henrique não só não gostou da nota divulgada pelo ministro, como também negou, taxativamente, que tenha sido informado por ele da existência dela, e de seu conteúdo, com antecedência. Essa versão, que circulou no Ministério da Saúde, desagradou ao presidente, que mandou seu porta-voz desmenti-la. Segundo Amaral, a nota feita ontem pelo Ministério da Saúde e a entrevista de Serra informam que as explicações do primeiro documento eram técnicas. "A nota de ontem (anteontem) nem sequer expressa a posição do Ministério da Saúde", tentou consertar Amaral, que preferiu encerrar o assunto. Ele alegou que, se houver algum esclarecimento adicional, deve ser dado pelo próprio ministro. "O importante é que o ministro José Serra já disse que a nota não expressa o ponto de vista do Ministério da Saúde", afirmou Amaral, encerrando a conversa sobre o episódio. O estrago político provocado pela nota de Serra não deixou o presidente sequer comemorar a vitória das votações na Câmara. Mas, mesmo assim, Fernando Henrique preferiu dar por encerrado o episódio, entendendo que Serra se retratou e vai enquadrar-se nas regras estabelecidas. Mas ninguém esconde que dificilmente as relações voltarão a ser as mesmas de antes.
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