terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Condenação Primeira Instância Gonzaga Reforma da Delegacia de Polícia

JusBrasil - Processo 4001909-29.2013.8.26.0624 - Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa - Luiz Gonzaga Vieira de Camargo - Vistos. Trata-se de Ação Civil Pública movida pelo MUNICÍPIO DE TATUÍ em face de LUIZ GONZAGA VIEIRA DE CAMARGO. O Município de Tatuí alegou, em síntese, que foi instaurada a Sindicância Administrativa nº 528/2013, apurando-se que o requerido, na qualidade de Prefeito de Tatuí, em 06/10/2011, celebrou convênio com o Governo do Estado com a finalidade de realização de obras e serviços de reforma do prédio da Delegacia de Polícia e anexo e construção da Delegacia de Defesa da Mulher - Plantão Policial de Tatuí, ficando estabelecido que para a execução das obras a Prefeitura de Tatuí deveria arcar com o valor de R$ 270.504,92 e o Estado repassaria ao Município o valor de R$ 1.082.019,67, a ser depositado em conta corrente vinculada àquela finalidade. Alegou que o requerido determinou a transferência de valores existentes naquela conta vinculada para conta “movimento” de titularidade da Prefeitura de Tatuí, com a finalidade de pagar despesas correntes e despesas com pessoal. Requereu, em sede de liminar, a indisponibilidade dos bens do requerido e, ao final, a procedência da ação, reconhecendo-se a prática de ato de improbidade administrativa, com a condenação do réu ao ressarcimento do dano ao erário no valor de R$ 1.082.019,67, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos, ao pagamento da multa civil e à proibição de contratar com o Poder Público. Juntou documentos (fls. 12/175). O réu foi notificado (fls. 181) e apresentou manifestação nos autos (fls. 182/194), instruída com os documentos de fls. 195/213. O Ministério Público integrou a lide (fls. 176/177), apresentando a manifestação de fls. 252/260. A petição inicial foi recebida (fls. 262/263). O requerido foi citado (fls. 277) e apresentou contestação (fls. 280/313), requerendo, preliminarmente, a suspensão desta ação civil pública até o julgamento das contas municipais do ano de 2012 pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Ainda em sede de preliminar, alegou inépcia da inicial e requereu o chamamento ao processo do atual Prefeito de Tatuí. No mérito alegou, em síntese, que a sindicância que embasou esta Ação Civil Pública foi marcada pela perseguição política do atual Prefeito, com a “fabricação” de documentos que não condizem com a realidade, com o único intuito de prejudicá-lo, além de não lhe ter sido dada oportunidade para se defender naquele procedimento. Alegou, ainda, que nunca agiu com dolo ou má-fé no desempenho de suas funções no período em que exerceu o cargo de Prefeito de Tatuí e que não se comprovou no curso desta ação que os fatos articulados na inicial trouxeram enriquecimento ilícito a alguém ou prejuízo ao erário. Ao final, requereu a improcedência da ação. Juntou os documentos de fls. 314/765. O Município de Tatuí apresentou réplica a fls. 794/796. O Ministério Público apresentou manifestação a fls. 801/808. É o relatório. Decido. As preliminares alegadas pelo requerido já foram analisadas pela decisão de fls. 262/263, à qual me reporto. A ação comporta julgamento no estado em que se encontra, sendo desnecessária a dilação probatória, considerando-se que a matéria discutida nestes autos é unicamente de direito, sendo suficientes para a formação do livre convencimento os documentos carreados aos autos, mostrando-se desnecessária a produção de prova pericial, uma vez que a configuração de atos de improbidade administrativa não está adstrita à efetiva ocorrência de dano ao erário. Ademais, a prova pericial requerida não se mostra hábil a desconstituir a validade dos documentos carreados à inicial ou as alegações formuladas pelo próprio requerido na contestação de fls. 280/313. Da mesma forma, não vislumbro a utilidade na realização de prova testemunhal, eis que os documentos carreados aos autos gozam de presunção de veracidade, legitimidade e legalidade e o requerido não especificou ou trouxe elementos concretos de que, de alguma forma, as testemunhas arroladas poderiam afastar a presunção da veracidade das informações contidas naqueles documentos. Ademais, o juiz somente está obrigado a abrir a fase instrutória se, para seu convencimento, permanecerem fatos controvertidos, pertinentes e relevantes, passíveis de prova testemunhal ou pericial (JTACSP Lex 140/285 Rel. BORIS KAUFFMANN). No mérito, a ação é parcialmente procedente. A ocorrência de atos de improbidade administrativa não está adstrita ao efetivo dano ao erário, bastando para a sua configuração que sejam praticados em desconformidade ou que atentem contra disposição expressamente contida em lei, no que se refere à forma e limites de atuação do agente público ou contra qualquer dos princípios que norteiam a Administração Pública. Esta conclusão se torna mais evidenciada pela doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, inclusive quando enumera as hipóteses em que a improbidade administrativa resta configurada. Vejamos: “O ato de improbidade administrativa, para acarretar a aplicação das medidas sancionatórias previstas no artigo 37, § 4º, da Constituição, exige a presença de determinados elementos: ... ocorrência do ato danoso descrito em lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três... (Direito Administrativo 24ª Edição Editora Atlas p. 833). Analisando-se de forma conjunta a lição acima e os documentos que instruíram este processo, conclui-se que o requerido incorreu em improbidade administrativa, pois agiu em desacordo com os princípios da legalidade e da moralidade, conforme passo a fundamentar. Pelo que se depreende do documento de fls. 69/74, em 06 de outubro de 2011, o Município de Tatuí, representado pelo requerido Luiz Gonzaga Vieira de Camargo, então Prefeito Municipal, celebrou convenio com o Governo do Estado de São Paulo, visando à reforma do prédio da Delegacia do Município e construção da Delegacia da Defesa da Mulher (DDM)/Plantão Policial de Tatuí, comprometendo-se o Estado a repassar ao Município o valor de R$ 1.082.019,67 para execução das obras. O Município de Tatuí, por sua vez, comprometeu-se a indicar conta especial para recebimento dos valores a serem repassados pelo Estado; a aplicar de forma integral e exclusiva no objeto da finalidade do convênio os valores recebidos; no período correspondente ao intervalo entre a liberação das parcelas e sua efetiva utilização, aplicar os recursos em cadernetas de poupança ou em fundo de aplicação. Contudo, depreende-se que o requerido, na qualidade de Prefeito de Tatuí, não cumpriu fielmente os compromissos assumidos a fls. 69/74. Os documentos de fls. 21/32 demonstram que por determinação do requerido foram transferidos valores da conta nº 6347-9 (denominada como “Reforma Delegacia de Polícia”), para a conta de nº 130044-X (denominada como “FOPAG”), ambas da agência nº 6505-6 do Banco do Brasil. Não obstante aqueles documentos terem se mostrado irrefutáveis, tanto assim que nem ao menos foram impugnados pelo requerido, ele próprio reconheceu em sua contestação que determinou a transferência dos valores entre as contas para arcar com a folha de pagamento dos funcionários municipais. Procedendo daquela forma, o requerido não apenas descumpriu o que havia sido taxativamente previsto em contrato (Cláusula Segunda, I, b, d e l e Cláusula Terceira, parágrafos 1º e 6º do contrato de fls. 69/74), como também incorreu nas vedações legais contidas nos parágrafos 4º e 5º da Lei nº 8.666/1992 e parágrafo 2º do artigo 25 da Lei Complementar nº 101/2000, afrontando, assim, o princípio da legalidade. Também agiu de forma contrária ao princípio da moralidade administrativa, ao evidenciar intenção de promoção pessoal, reconhecendo que utilizou as verbas vinculadas ao objeto do convênio para pagamento dos funcionários municipais, pois, “...se comprometeu na campanha eleitoral que iria pagar os salários em dia, tendo em vista que na gestão anterior, os funcionários entravam em greve frequentemente em razão dos atrasos nos pagamentos dos salários...”. Assim, o teor dos documentos carreados aos autos e a confissão realizada pelo requerido em sua contestação, comprovando que o dinheiro repassado pelo Governo Estadual com finalidade específica foi empregado para efetuar o pagamento de despesas correntes da Prefeitura de Tatuí, afastam as escusas apresentadas no sentido de que jamais atuou com má-fé ou dolo no período em que foi Prefeito Municipal. Embora a caracterização de alguns atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/1992 exija que a ação ou omissão do agente esteja revestida do elemento subjetivo na forma do dolo, já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça em outros casos semelhantes não haver a necessidade de que o dolo seja específico, ou seja, a prática de uma determinada ação pelo agente público visando atingir uma finalidade específica, bastando que o agente tenha agido com dolo genérico, entendido este como a prática do ato sem visar a uma finalidade específica. Assim, a vontade do agente é presumida, “in re ipsa”, evidenciada na simples prática da conduta vedada. Neste sentido: “...2. Conforme já decidido pela Segunda Turma do STJ (REsp 765.212/AC), o elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de dolo específico. 3. Para que se concretize a ofensa ao art. 11 da Lei de Improbidade, revela-se dispensável a comprovação de enriquecimento ilícito do administrador público ou a caracterização de prejuízo ao Erário. 4. In casu, a conduta dolosa é patente, in re ipsa...”. (REsp 951.389/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/06/2010, DJe 04/05/2011). Ainda no mesmo sentido: RECURSO ESPECIAL nº 1.252.341 - SP (2011/0056486-5) RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON RECORRENTE: JOSÉ APARECIDO SORIANO. ADVOGADO: PEDRO JOSÉ CARRARA NETO E OUTRO (S). RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Não deve ser aceita, ademais, a alegação de que não houve a caracterização de improbidade administrativa pela falta de prejuízo concreto ao erário ou de que não houve proveito econômico ao requerido, pois esta ação civil pública teve como fundamento as ilegalidades e imoralidade perpetradas pelo requerido na execução do convênio celebrado com o Governo do Estado, o que justifica a imposição das penalidades previstas no artigo 12, III, da Lei nº 8.429/1992. Neste sentido, aliás, entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Ação Civil Pública Improbidade Administrativa Réu que, na condição de Prefeito Municipal, aplicou os recursos recebidos do FUNDEF para fins diversos do previsto no convênio celebrado, qual seja, promoção da municipalização do ensino Conduta que afrontou a legalidade e a moralidade - Artigo 11 da Lei 8.429/92 Penalidade passível de aplicação independentemente da existência de dano ao erário e de proveito econômico ao agente ímprobo Recurso desprovido.” (Apelação nº 0000108-83.2000.8.26.0275, da Comarca de Itaporanga, em que é apelante CARLOS CESAR DINIZ, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE RIVERSUL - 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo). Aceitar-se exegese diversa em casos de responsabilidade fiscal ou de improbidade administrativa se mostraria, no mínimo, totalmente inexplicável ao homem médio, base de nossa sociedade, na medida em que os preceitos dos artigos 3º e 5º da Lei nº 4.657/1942 (LINDB), verdadeiros princípios que se irradiam por todo o ordenamento jurídico brasileiro e que devem ser a todos aplicados e por todos obedecidos, com mais razão, devem ser aplicados à Administração Pública e, consequentemente, aos agentes que a representam, pois, nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “...a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite.” (ob. cit. pag. 65). Contudo, não obstante a comprovação de que o requerido tenha atentado contra os princípios da moralidade e legalidade administrativas, não ficou demonstrado, pelos documentos carreados aos autos que houve efetivo prejuízo ao erário. Diante do exposto, conclui-se que o requerido descumpriu o que havia sido taxativamente previsto em contrato (Cláusula Segunda, I, b, d e l e Cláusula Terceira, parágrafos 1º e 6º do contrato de fls. 69/74) e também atentou contra as vedações legais contidas nos parágrafos 4º e 5º do artigo 116 da Lei nº 8.666/1992 e parágrafo 2º do artigo 25 da Lei Complementar nº 101/2000, praticando, desta forma, o ato de improbidade administrativa previsto no inciso I do artigo 11 da Lei nº 8.429/1992. Portanto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE esta Ação Civil Pública para: a) SUSPENDER os direitos políticos de LUIZ GONZAGA VIEIRA DE CAMARGO por quatro anos; b) CONDENÁ-LO ao pagamento de multa civil no valor equivalente a dez (10) vezes o valor da última remuneração por ele percebida no exercício do cargo de Prefeito de Tatuí; c) PROIBÍ-LO de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Tendo em vista a independência existente entre as esferas administrativa, cível e criminal e considerando-se que os fatos narrados nesta ação encontram, em tese, tipificação no artigo , III, do Decreto-Lei nº 201/1967, extraiam-se cópias integrais destes autos, encaminhando-as ao Ministério Público local, por ofício, para as providências que entender cabíveis. Transitada em julgado esta sentença, oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, para as providências cabíveis. Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais. CUSTAS DE PREPARO PARA EVENTUAL APELAÇÃO IGUAIS A R$23.869,69. - ADV: RODRIGO TREVIZAN FESTA (OAB 216317/SP), VANESSA FALASCA (OAB 219652/SP), EDUARDO AUGUSTO BACHEGA GONÇALVES (OAB 241520/SP), PAULO ROBERTO GONÇALVES (OAB 67030/SP)

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